Oi Filoteu, oi pessoa, oi existente!
Ser pessoa é ser existente, um ser presente, nunca ausente, por essência consistente. Esse jogo de palavras jogam um papel de mostrar itinerário de uma compreensão ou tentativa de reflexão sobre algo tão importante no que somos. Somos pessoa. Existimos.
A existência da pessoa não é uma experiência
para saber em que consiste a vida própria, dos outros, do mundo. Existir! É o que acontece conosco. Existimos. Que significa isso? Ek-sistere é uma palavra que significa lançar para frente, jogar adiante, vida lançada no mundo, na história. Veja só, Filoteu, não é uma realidade estática. Não somos um bando de estátuas ou meros adornos, enfeites ou pedras ou árvores: parados, passivos, apáticos. Não somos robôs ou bonequinhos saídos em série da fábrica, todos iguais (todos uniformes, sem diferenças). Dizia P. Grieger.
“No coração desta vida, a vida real, tece pouco a pouco uma trama, saída juntamente da prova experimentada da nossa vida e da nossa reflexão sobre esta: esta trama sólida e móvel é, na sua forma mais individualizada e mais rica, a nossa consciência, nós mesmos. Esta é composta de recordações afetivas e intelectuais, e de normas: pouco a pouco se liberta um ideal de vida”
Esta autoconstrução, feita como uma trama que pouco a pouco desperta a
consciência de si, é dinâmica, é processo (não é realidade que se faz no estalar de dedos nem a toque de caixa ou repique de sino!). Tal dinamicidade de autocriação,
de comunicação e de adesão faz emergir o movimento de personalização. Esta
experiência é marcada significativamente pela liberdade porque não pode existir
aqui a constrição nem o condicionamento. Porém, é um movimento que não se limita
a um ser especifico. Este alguém, se já chegou um pouco mais acima neste
movimento de personalização, convoca as demais pessoas que ainda estão
adormentadas de maneira a despertar a humanidade inteira. Por isso mesmo, esta é
uma tendência de toda a humanidade, a saber, a personalização, assim defendia Emmanuel Mounier, um ilustre filósofo do personalismo.
A pessoa é “alguém que não pode ser repetido
duas vezes”, dizia Mounier e,
tal unicidade fala da singularidade de um ser que não se repete. Por isso,
defini-lo não é possível, pelo fato que o núcleo da pessoa mesma é o sujeito. O
sujeito é aquilo que por natureza mesma se subtrai a qualquer definição. Quem pode dizer com precisão e exatidão quem é um alguém? Cada
indivíduo é um ser singular, inconfundível e insubstituível (no sentido que ninguém fará como aquela pessoa faz pelo fato que é ela quem faz), sujeito único. Não creio que haja pessoas insubstituíveis! "Morre-se um papa, faz-se um outro" diz o ditado romano. O que não se pode fazer é comparar as pessoas ou achar que alguém é medida ou "modelo" para o outro, ou pior, "forma" para outro. O indivíduo é um mistério, uma complexa realidade, cheia de amplas riquezas e meandros, nuanças e peculiaridades. Para
conhecê-lo precisaria encontrá-lo.
Não obstante isso, Maritain insiste em conceituar a pessoa humana
compreendendo-a como alguém que se possui por meio da inteligência e da
vontade. Exatamente o que nos faz imagem e semelhança de Deus: a vontade e a inteligência. O homem é, em certo senso, um todo e não somente uma parte. Não somos uma soma de elementos ou partes, mas um todo unitário. O ser
pessoa significa que o homem é, sobretudo um todo antes de ser um somatório de coisas; significa também que mais que servo ele é independente, assim pensava Jacques Maritain.
Está em jogo o homem concreto, existente como pessoa quando diz “eu” e é
consciente de não ser levado e, por conseguinte, se posiciona tão somente a
partir da energia da vida que se afirma, ou se torna capaz de fazê-lo a partir
de uma força superior. Porém, este mesmo homem, enquanto pessoa, é autorizado e
obrigado a se posicionar por uma maneira de ser que lhe é particular. Tal
maneira de ser persiste através de todas as diversas posições e situações e a
sobreviver em meio a perturbações e a todas as deformações.
Permanece uma verdade: a pessoa não se repete, também se o aspecto e os gestos
dos homens recaindo sempre no genérico, se copiam recíproca e constantemente na
superfície aparente.
A existência singular da pessoa é composta e se constrói a
partir de tantas respostas afirmativas, mas também negativas que se sucedem
mutuamente. Conclui-se que a pessoa deve ser capaz de decidir como uma
característica verdadeira e concreta da sua maturidade. Tal opção comporta a
fidelidade e a consciência do seu valor. A decisão é a pessoa mesma, totalmente
lançada no seu porvir (seu vir-a-ser, o que vem por aí, seu futuro, suas possibilidades de construção), engajada no ato fatigante e rico que reassume o seu passado
com a carga de experiência que lhe é própria enriquecendo-a com uma nova chance de se construir que é o presente. Raízes profundas no passado, antenas sensíveis para o futuro é forma concreta para viver bem o agora, o presente compreendido como dádiva. Viver enquanto pessoa é dom e responsabilidade, a ser construída na liberdade.
Então? Ser pessoa é assumir-se, construir-se. Claro, não de forma independente ou presunçosamente egoísta, mas de forma pessoal, algo que acontece nas escolhas feitas na trama da vida. Que seja assim em tua vida, Filoteu, pessoa!
Um abraço do padre.