Oi Filoteu!
No evangelho deste domingo, o Senhor fala sério e forte para seus discípulos e para quem quiser sê-lo. Quando alguém perguntou-lhe se é verdade que são poucos os que se salvam, a resposta foi esta:
Fazei todo esforço possível para entrar pela porta estreita. Porque eu vos digo que muitos tentarão entrar e não conseguirão (Lc 13, 24).
Note-se que a vida construída no esforço, no sacrifício, na disciplina pessoal, na capacidade de renúncia, na disposição em fazer o correto, em buscar o que é melhor e não o mais fácil, não ser refém de gostos, não viver sob a tirania do prazer a qualquer custo e sem valores, ser honesto ainda que se tenha que pagar o preço por isso, ser determinado em buscar uma vida ordenada e correta, bem, tudo isso e muito mais não é nenhuma coisa do outro mundo. Neste mundo mesmo é preciso entender que é caminho razoável, isso é compreensível do ponto de vista racional. Sem essa mobilização pelo bem ninguém progride, ninguém prospera (entenda-se de forma autêntica, duradoura, estável, produtiva). Só que Jesus aprofunda esse princípio do esforço, da dedicação, da disciplina pessoal na perspectiva da eternidade, da vida eterna. Não se pode viver a vida da graça sem acolhê-la como dom gratuito. Entretanto, sem as disposições para colaborar com essa graça generosamente concedida, gratuitamente ofertada, a processo fica pela metade.
O caminho de crescimento no seguimento de Jesus exige esse trabalhar sobre si mesmo. Mas, Nosso Senhor é realista. Ele não fala do esforço que um super-herói é capaz de empreender. Ele não pede que se use os poderes de um super dotado ou de um anjo. Ele fala de "todo esforço possível". Aí que entra o mais sincero, consciente e coerente esforço e lucidez, honestidade total consigo mesmo e com Deus para se descobrir, se conhecer e detectar as áreas frágeis e inconsistentes do próprio psiquismo para se trabalhar, se superar em vista de crescer, se purificar, viver a conversão tendo por meta a santidade. Entrar pela porta estreita significa não se contentar com o que se atingiu em termos de progresso. Se a pessoa não cessa de progredir ela regride. Quem não vai para frente, vai para trás. Não há como ficar parado no dinamismo da vida. É preciso ser pequeno e pobre para passar pela porta estreita. É preciso se apegar ao essencial e não se deixar condicionar ou conduzir pelo acessório. Trilha exigente, estrada desafiante esta, mas com certeza é meio seguro para ser feliz aqui e para sempre na eternidade.
Sabe Filoteu, a pessoa humana precisa de disciplina. Naturalmente queremos vida fácil, tendemos para o mais gostoso, para o que não dá trabalho e não exige. Entretanto, não é por aí que se chega aonde somos chamados a chegar.
"Muito tentarão entrar e não conseguirão" (Lc 13, 24b). Por que será? Não sei! Talvez hajam muitas razões para isso. Mas, arrisco um palpite ou melhor, um questionamento: Será que fizeram todo esforço possível?
Termino com uma história:
Henry Kissinger foi secretário de estado dos Estados Unidos. Diz-se que certa feita, pediu à sua secretária que escrevesse um determinado documento. Logo que a dita secretária trouxe em um envelope o documento, Kissinger olhou-a nos olhos e perguntou:
- Você tem certeza que fez o melhor que pôde?
A moça foi meio desconcertada diante daquela indagação inesperada, ao que o secretário de estado indagou mais uma vez:
- Você tem certeza que fez o melhor que pôde?
Ela pegou de volta o envelope e disse que iria fazer.
Se Deus hoje perguntasse a mim e a ti:
- Você tem certeza que fez o melhor que pôde?
Qual seria a resposta?
Um abraço para ti, caro Filoteu. Fico rezando por você e por mim também para que sejamos livres e desapegados, pequenos e pobres, corajosos e decididos para passar pela porta que conduz à vida.