Oi Filoteu!
Não poucas vezes o filho mais
velho da parábola do filho pródigo, esse rapaz tido por virtuoso e por certo,
ou sério e que não é percebido na sua fraqueza exige uma reflexão mais atenta.
Quando o pródigo retorna a casa,
seu irmão mais velho está no campo, no trabalho, cumprindo suas obrigações.
Sempre cumpridor de seus deveres, crê, no fundo, que seu valor está no que
produz, na sua observância de regras e leis. Fugir do erro escrupulosamente e
achar-se um alguém acima da média, eficaz, eficiente. Será ele um alguém fiel?
O que se sabe, como nos relata o
texto evangélico, ele não aceita o erro do irmão, não o acolhe. Ante a
misericórdia paterna, Lucas nos diz que ele “ficou com raiva” (Lc 15, 28).
Infelizmente, permaneceu estacionado na culpa do seu irmão. Não acolhe, mas
joga pedras. Exclui-se da festa da misericórdia. Não consegue viver a
misericórdia. Pessoas, como essa tentam enquadrar os outros nos seus esquemas e
quando os outros não entram em tais esquemas os desprezam, rejeitam, excluem. A rejeição do irmão o faz negar a
fraternidade. Ele, filho como o outro é filho, imperfeitos é claro (por mais
que o mais velho não o aceite), mas sempre filhos. E, se são filhos, são
irmãos!!! Entretanto, ao falar ao pai, esse rapaz mesquinho e perfeccionista
somente afirma, ao referir-se ao mais novo: “... esse teu filho” (Lc 15, 30).
Já que é tão virtuoso e observante, assume-se como juiz implacável, um
excelente que não aceita quem fracassa ou se afasta da observância das regras.
Justifica-se em suas obras boas, sente-se positivo e importante pelo que faz e
produz ao invés de descobrir o seu valor pelo que é. Sente-se um herói!
Todo herói tem uma inclinação
perversa a se sentir uma vítima, um coitado, alimenta carências de reconhecimento.
Não foi isso que faziam os fariseus praticando as boas obras do jejum, da
esmola e da oração somente para serem vistos pelos homens, buscando
reconhecimento, elogios, reconhecimentos? (ver Mt 6, 1-6.16-18). O filho mais velho sente-se
vítima, não se sente amado, não se percebe alvo da benevolência paterna, não se
acha necessitado do perdão, da acolhida do pai pois é cheio de presunção por
ser perfeito, sem erros. Além disso, no seu vitimismo, mendiga gratificações,
reivindica recompensas: “Nunca me deste um cabrito para eu fazer festa com meus
amigos” (Lc 15, 29). Vem à tona sua frustração profunda por considerar a
liberdade paterna, em sua gratuidade, uma injustiça. Em suma, vive preso às
recompensas. Não consegue ver a riqueza de um amor generoso, doador, não entra
na lógica libertadora e libertada do amor ágape (caridade). Paulo, o apóstolo,
ensina que o considerar tudo como lixo para ganhar Cristo e ser encontrado
unido a ele, não acontece pela justiça vinda da lei, mas com a justiça por meio
da fé em Cristo, a justiça que vem de Deus, na base da fé (ver Flp 3, 8-9).
A resposta do pai repõe e
repropõe os valores. O essencial é reconsiderado, é levado para o seu patamar,
é reconstituído como alicerce de uma vida feliz: “Filho, tu estás sempre comigo
e tudo o que é meu é teu” (Lc 15, 31): aqui está o grande tesouro: estar com o
pai, com cabrito ou sem cabrito. O estar com o pai significa dispor dos seus
bens com a liberdade dos pequenos, dos que se sentem e se assumem como filhos e
não como empregados. Os cristãos não são os empregados de Deus, mas seus
filhos. Filhos não por direito, mas por bondade e dom gratuito deste mesmo Pai
que em Cristo Jesus nos fez participantes desta graça imensa. Dar a vida,
trabalhar, gastar-se na evangelização, no serviço dos irmãos e irmãs,
especialmente os mais necessitados e menos amados, consumir-se na adoração e no
culto ao Pai, pelo Filho, no Espírito, em suma viver essa comunhão, estreitar
estes laços de amor e de unidade, eis a grande vitória, o grande ganho. É lucro
doar-se, como dizia São Bernardo: “O amor já é a recompensa de si mesmo”. Foi
por isso que, os santos, homens e mulheres que tinham coração de filhos viviam
em uma liberdade imensa, desprendidos de tudo e de todos, de qualquer projeto
ou de qualquer recompensa, pois para eles não interessava o que haveriam de
receber em troca, mas eles e elas sabiam que a riqueza grande era a graça da
eleição, o amor do Pai, imitar Jesus, o servo por amor, encher-se do Espírito
Santo: eis o que interessava, o que importava, aqui estava o verdadeiro
interesse e “ambição” destes filhos. Não são os grandes feitos por Deus que
deve deixar uma alma feliz ou realizada, mas o fato da eleição divina: “Contudo
– diz Jesus – não vos alegreis porque os espíritos se vos submetem; alegrai-vos
antes, porque vossos nomes estão inscritos nos céus” (Lc 10, 20). Por isso,
Santa Teresa de Jesus dizia: “Só Deus basta”, por isso São Francisco de Assis
dizia: “Meu Deus e meu tudo” e andava por aí dizendo: “irmão sol, irmão lua,
irmão isso, irmão aquilo”. São João da Cruz, em seus ditos de amor e de luz
afirma:
“o céu é meu, a terra é minha, meus são todos os homens, os justos são meus e meus são os pecadores. Os anjos são meus e a Mãe de Deus, todas as coisas são minhas. O mesmo Deus é meu e para mim, porque Cristo é meu e tudo para mim. O que pedes, portanto, minha alma? Tudo isso é teu e tudo para ti. Não te detenhas em coisas menos importantes e não te contentes com migalhas que caem da mesa do teu Pai” (Ditos de Amor e de Luz, n. 25).
Ser filho e não se reduzir a meros empregados, acolher o que erra e celebrar o retorno de cada irmão na festa da misericórdia e permanecer felizes amando servindo, sem mendigar recompensas: eis as grandes lições da parábola do filho mais velho que se achava perfeito e não sabia acolher. Grandes lições para todos nós!
Um abraço para ti Filoteu de
Betânia.