O Evangelho de São João (cap. 8,
vers. 1-11) no episódio da mulher surpreendida em flagrante adultério nos relata que Jesus de madrugada voltou de novo ao Templo. O
evangelho nos narra que Jesus, ainda em sua adolescência, ficou no lugar
sagrado. Abordado por seus pais que aflitos o procuravam, o garoto respondeu
que deveria estar ocupado com as coisas de seu Pai. Sua mãe e seu pai adotivo não
entenderam o que o garoto afirmava, mas, a Virgem Maria conservou no coração esta
resposta (Lc 2, 41-51). Conservar no coração significa decidir-se por aquilo
que se conserva. Significa adesão, acolher não passivamente, mas em concórdia,
em compromisso. Templo dá a entender claramente uma recordação ou memória da
presença de Deus, sua presença santa que se expande e se irradia. No templo, o
profeta Isaías fez uma experiência da glória do Senhor Deus e circundado por
serafins, deu-se uma liturgia onde estes anjos do fogo proclamavam a santidade
divina com imensa reverência e temor sagrado. O profeta sente-se indigno,
impuro, incapaz de falar em nome do Senhor pois seus lábios eram também
impuros. Em resposta a esta situação, um dos anjos o purifica com o fogo do
altar de modo que Deus o envia, envolve o profeta, envia-o (ver Is 6, 1-8).
Do Templo, Jesus ensinava. Na
verdade, o Templo é o próprio Jesus, cuja humanidade é verdadeiro sacramento de
encontro com Deus Pai pela ação do Espírito Santo. Quando São João, em sua
primeira epístola, extasiado e maravilhado com sua experiência com o Mestre
amado tenta exprimir sua experiência, consegue ser pleonástico (ou seja, repete
ideias):
“O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que contemplamos, e o que nossas mãos apalparam do Verbo da vida (...) o que vimos e ouvimos vo-lo anunciamos para que estejais em comunhão conosco” (1Jo 1, 1.3a).
Neste sentido, Cristo é templo. Ensinar é missão de Jesus e é
também missão da Igreja. Ao enviar seus discípulos em missão, Jesus ordena que
seus discípulos façam discípulos em todas as nações e, diz ele: “ensinando-as a
observar tudo quanto vos ordenei” (Mt 28, 20). Não é aprender das nações, mas
ensinar!
Será que as pessoas aprenderam?
Será que as nações tornaram-se discípulos de Jesus? Os fatos mostram que há muito
que avançar, há muito que construir, a muito que transformar renovar e afirmar
em termos de não somente ensinar, como também testemunhar! Não se anunciam
ideias, mas uma Pessoa: Jesus. Claro, anunciar essa Pessoa significa também e
necessariamente seu projeto.
Voltemos à mulher: estava para
ser apedrejada (Jo 8, 3). Antes, porém, a questão da vida ou da morte dela é
posta como um teste a Jesus. Os fariseus que a surpreenderam em flagrante
adultério não estavam preocupados se a lei de Moisés estava ou não estava sendo
cumprida ou se houve efetiva violação dela por meio do delito de adultério por
parte daquela infeliz acusada. E o seu parceiro de adultério? Dele não se fala!
Sociedade machista e cheia de discriminação. Aqueles religiosos queriam por
Jesus à prova (vers. 6). Ao por aquela questão ante o Mestre misericordioso
para com os pecadores, queriam ver Jesus confuso e sem saída. De fato, se
dissesse que era para apedrejar a mulher, logo os acusadores o desmoralizariam
questionando: “Logo tu, que comes com os pecadores e os acolhes? Onde está o
mestre misericordioso?” E se Jesus não fosse a favor com a lapidação então
estaria contra a lei de Moisés, seria um transgressor, pois se omitiria em uma
ação penal que era uma exigência legal. No popular poderíamos dizer: “se correr
o bicho pega, se ficar o bicho come e se esconder o bicho acha”. Em suma, Jesus
estava encurralado, na visão dos seus
interlocutores).
A ação de Jesus é emblemática,
curiosa: Ele, “inclinando-se, começou a escrever com o dedo no chão” (Jo 8, 6).
Este gesto, a meu ver, tem um significado simbólico fortíssimo. Alguns afirmam,
pouco seriamente (na minha opinião), que Jesus estava pondo no chão os pecados
dos acusadores da adúltera. Entretanto, parece-me mais razoável afirmar que
Jesus escrevia palavras de misericórdia, de amor verdadeiro que busca o verdadeiro
bem das pessoas. Ora, Ele escreve com seu dedo no chão, na terra! Isso me faz
lembrar o hino de Rabano Mauro, o “Veni Creátor Spiritus” quando se diz ao
Espírito Santo: “(...), dextrae Dei tu dígitus” (Tu, dedo da mão direita de
Deus). Jesus mesmo lembra aos judeus que o acusavam expulsar demônios pela ação
de Belzebul, príncipe dos demônios: “Mas, se é pelo dedo de Deus que eu expulso
demônios, então chegou para vós o Reino de Deus” (Lc 11, 20). Escrever com seu
Espírito na fraqueza e limitação de nossa miséria, de nossa finitude e
precariedade: eis o sentido de Jesus escrever no chão com o seu dedo.
Há um ditado de pessoas que são
daqueles que “vão atrás de lã e saem tosquiados”. A resposta de Jesus, dada de
forma lacônica aos fariseus acusadores, desmontou de forma inapelável àqueles homens
que se presumiam juízes por interesse mesquinho e mordaz. “quem não tiver
pecado seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra” (Jo 8, 7). Ou seja, a verdade
afugenta a mentira, a luz dilui as trevas e a força da revelação transparente
arranca as máscaras. “Quem tem telhado
de vidro não pode jogar pedra no telhado do vizinho”, diz o ditado popular. Talvez
aqui caberia uma tomada de consciência da necessidade de maior cuidado,
respeito e misericórdia com os outros.
Jogar pedras é tão fácil para tantas
pessoas que não se conhecem! Ao invés de jogar pedras, é preciso juntar as
pedras e construir com elas a casa da misericórdia e acolher quem erra. Criticam-se
e corrigem-se as pessoas para ajudá-las ao invés de arruiná-las de forma
perversa e desrespeitosa. Ajudar as pessoas, contribuir para que sejam melhores, para que se corrijam e sejam felizes. Amigo, irmão faz assim! E quando erramos nós, quem dera que apareça estes que ajudam com sua correção, com seu conselho para que voltemos para a estrada certa. Aliás, São Paulo lembra:
“Por isso, és inescusável, ó homem, quem quer que sejas, que te arvoras em juiz. Porque julgando a outrem, condenas a ti mesmo, pois praticas as mesmas coisas que julgas (...). Ou pensas tu, ó homem, que julgas os que tais ações praticam e tu mesmo as praticas, que escaparás ao julgamento de Deus?” (Rm 2, 1.3).
Contundente e direto, sem rodeios!
Jesus conhece a verdade podre daqueles homens os quais, mais adúlteros que a mulher
que acusavam, viviam uma contradição que brotava da presunção e desfaçatez
(eram descarados, caras de pau na linguagem popular). De fato, a começar dos
mais velhos, de um por um, foram largando as pedras no chão e deixaram Jesus
sozinho com a mulher. Sto. Agostinho comenta: “A misericórdia e a miséria, um
diante do outro”. “Ninguém te condenou?” – pergunta Jesus – àquela que escapou da
investida cruel dos fariseus. Ela respondeu: “Ninguém Senhor”. Então Jesus lhe
disse: “Eu também não te condeno. Podes ir, e de agora em diante não peques
mais” (Jo 8, 10-11). Jesus resgata a mulher com o perdão, põe de pé “a pecadora
caída, pelo pecado ferida”, mas a convida para viver a conversão sincera e
decisiva. Um equilíbrio que jamais deve faltar a quem lida: em primeiro lugar
com as próprias faltas, em segundo lugar, só em segundo lugar, com os defeitos
e faltas dos outros. Além disso, é bom lembrar: pegue as fraquezas do seu irmão
com as luvas da humildade! A humildade, diz Santa Teresa de Jesus, é a verdade!
Assim sendo, não dá pra ser livre sem viver na verdade e não dá para ser livre;
portanto, sem a verdade e a liberdade a felicidade voa para bem longe!
Um abraço para ti, caro Filoteu
de Betânia!