Hoje, no rastro luminoso e cheio de fogo do Espírito da solenidade de Pentecostes que se realizou ontem, pensei em escrever hoje para ti sobre a unidade. Tantas vezes, confundida com a uniformidade (aquelas eternas manias de achar que todos devem ser iguais, como os robôs saídos da fábrica), a unidade é algo bem melhor, bem maior e bem mais rica. Ela é inseparável da diversidade. Uma e outra se complementam. Não há como viver a comunhão sem essa riqueza das diferenças, da pluralidade. Aliás, diferença não é ameaça, mas possibilidade. E o bom é que, na medida que o tempo passa, tanto mais precisamos uns dos outros. Na idade média, por exemplo, os mosteiros eram tranquilamente autossuficientes. Não precisavam em nada do mundo externo e se arranjavam, eram bem provisionados. Fabricavam os próprio vestuário, os instrumentos de trabalho, plantavam e colhiam, criavam seus animais e poderiam passar uma vida assim, bastando-se, providenciando-se. Claro, não estou criticando, nem muito menos condenando. Os esquemas, o contexto, as mentalidades eram evidentemente outros. Nestes últimos tempos, com a complexidade da vida moderna, nos tornamos mais dependentes uns dos outros. Precisa-se do padeiro, do açougueiro, do pedreiro, do engenheiro, do médico, do dentista, do supermercado, da farmácia e por aí vamos, em uma lista enorme de pessoas e de instituições que prestam serviços e produtos. A complexidade da vida fez isso. E nós, cristãos, podemos e devemos tirar proveito disso.
Um dos mais respeitados estudiosos do impacto da tecnologia nas empresas e nas sociedades, o canadense Don Tapscott, referindo-se à internet, afirma: "Não vivemos na era da informação. Estamos na era da colaboração. A era da inteligência conectada". Se no passado, a ideia de concentrar informação fosse concebida como sinônimo de poder (parte do velho modelo industrial), hoje a informação tem se encarregado de criar laços e quanto mais se partilha mais se cresce, se progride, fazendo o todo progredir. Talvez esse processo esteja ainda em seu começo, essa mentalidade deva evoluir e avançar bastante. Mas a rapidez com que os eficazes meios de comunicação tornam as notícias e o conhecimento à disposição de todos faz com que essa nova mentalidade seja um caminho sem volta. E pode ser para melhor, se globalizamos a solidariedade, os valores vários que humanizam e nos levam a ser melhores. Com certeza, há muito o que avançar, mas há sinais fortes que a era da colaboração venha a ser um dom da Providência de Deus para que a sociedade progrida, para que a evangelização aconteça e que a Igreja seja comunhão na participação. Unidos em nossas diferenças. O apóstolo ensina:
Há diversidade de dons, mas um mesmo é o Espírito. Há diversidade de ministérios, mas um mesmo Senhor. Há diferentes atividades, mas um mesmo Deus que realiza todas as coisas em todos (1Cor 12, 4s).
Assim é a Igreja, a Igreja do Espírito. A meu ver, uma Igreja que tem muito, que tem tudo para tirar proveito da situação para acontecer essa comunhão e essa participação. A unidade deve gerar fraternidade, comunhão, laços fortes, amor-caridade, ou seja decidir-se pelo outro, por todos, construir juntos, lado a lado, crescendo com o outro, também com seus limites e fraquezas. O que importa é todos estarem comprometidos e decididos de viver na conversão constante. Bem ensinava um autor africano anônimo do século VI, referindo-se à Igreja, povo de Deus, corpo místico de Cristo, comunidade de irmãos:
Esta é a casa de Deus, edificada com pedras vivas. Nela o Eterno Pai gosta de morar; nela seus olhos jamais devem ser ofendidos pelo triste espetáculo da divisão entre seus filhos
Que Deus nos ajude a construi-la.