Oi Filoteu!
A Escritura tem uma importante mensagem:
"Olhai, guardai-vos da ganância, porque mesmo que o homem viva na abundância, a sua vida não depende dos seus bens" (Lc 12, 15).
Essa frase faz pensar e muito. O capitalismo e o consumismo que a sociedade vive tem anestesiado as consciências e não raramente a busca dos confortos levou as pessoas a entender qualidade de vida somente como ter saúde física e psíquica. E para conseguir isso, a prosperidade financeira é veículo necessário e irrenunciável. A tal qualidade, então, se volta para a posse cumulativa e consumo de bens. A fabricação de produtos não tem em vista vender coisas que durem e resolvam por um bom tempo as necessidades das pessoas, mas o importante é produzir o que tem vida útil curta, preferivelmente o descartável. Afinal é preciso lucrar, sempre mais e, para tanto, é preciso criar necessidades de consumo. Essa mentalidade ou essa linha ideológica tem o poder de segurar as pessoas na espiral do consumo, do usar algum tempo (e as vezes pouco tempo) para logo depois jogar fora, passar pra frente para comprar mais. Estar seguro tornou-se sinônimo de ter, ter e ter. Daí as pessoas também tornarem-se descartáveis, ou seja, valem enquanto produzem, enquanto servem, trabalham, enquanto são jovens, interessantes, úteis ou têm dinheiro para gastar, para consumir, comprar.
Andei lendo coisas sobre a economia. Uns dizem que o governo tem que fazer assim, outros que deve fazer assado. Como deve ele fazer com o mercado? Oferecer marcos regulatórios para que o mercado produza, prospere, gere renda e faça acontecer o consumo para produzir mais e por aí vai. A globalização tem sido uma grande novidade e mudou muito a vida das pessoas. A economia entrou de cheio na globalização. Os mercados estão todos interligados e daí se um pifa ou vai mal (casos de UTI dos empréstimos gordos), aí os mercados se assustam, gripam, adoecem junto. O Brasil andou escapando dos tsunamis que aqui chegaram como uma "marolinha", mas parece que o mal estar da Europa (e nestes dias a Espanha tem sido um pivô da crise) tem trazido nuvens carregadas neste céu azul de anil da nossa economia. Os Estados Unidos andam penando também. O crescimento não é tão alentador assim, conforme previsões. O governo brasileiro tem muito o que fazer, resolver problemas sérios como a infraestrutura, suprimir ou minimizar os gargalos da carga tributária acachapante, diminuir a burocracia e outras coisas mais.
Que os especialistas façam o seu papel, os trabalhadores, empresários e os governos também. Que a sociedade tenha o que for necessário para uma vida digna enquanto formada por pessoas humanas. Em um mundo perfeito, com certeza nunca viveremos. Mas, para ser realista, por trás de tanta corrida para resolver problemas financeiros, a palavra do Evangelho continua a sacudir os ouvidos de quem quer ouvir e as consciências de quem quer acertar o passo no rumo da felicidade e da eternidade. Quando a vida do homem depende só de seus bens, então estamos diante de uma situação onde o ter é condição para ser feliz. Entretanto, as pessoas se esquecem de viver e ser felizes. Parece que a ótica do acúmulo desenfreado de bens, movido pelas necessidades criadas não tem dado essas felicidades todas. Os egoísmos humanos geradores de gente tão solitária e tão pouco solidária tem gerado um povo doente de individualismo. Que eu esteja bem, muito bem e que não me falte o que eu quero, pois bem, isso se tornou uma medida perversa de felicidade que tem afastado da felicidade quem assim pensa ou age a partir dessa compreensão da vida.
Sei lá! Fico pensando com meus botões: se não houver um despertar para as alegrias genuínas e verdadeiras como viver com menos, não acumular bens, partilhar e não acumular, servir, procurar o bem dos outros, semear alegria e esperança na vida das pessoas, promovê-las, cativá-las, com certeza, pois bem, a felicidade bate as asas e vai embora. Se não houver uma busca daquilo que fica para sempre, daquilo que não passa e que preenche os vazios existenciais do coração humano, com certeza se encher de coisas é um alimentar o problema ou, no mínimo, adiar a solução. Uma pessoa me falou uma frase que ficou na minha mente e no coração: "Para a eternidade a gente só leva o que a gente partilha". Que a solidariedade e a partilha sejam globalizadas!
Não será verdade, caro Filoteu, que as pessoas que se dedicam aos outros, são, lá no fim das contas, as mais felizes? E os que buscam o Reino e sua justiça, não serão eles os mais realizados? Os que buscam as bem-aventuranças, não são eles, efetiva e afetivamente, os mais bem-aventurados de todos? Não é história bonitinha para tentar encher linguiça, escrever algo que faça as pessoas se emocionarem: é realidade que se pode tocar, experimentar. Os santos e santas de Cristo, seus amigos, foram eles os mais convictos disso. "Bem-aventurados os pobres de espírito porque deles é o Reino dos Céus" (Mt 5, 3). Pobre de espírito não quer dizer gente de poucos valores ou sem idéias interessantes para viver. Pobre de espírito não significa viver sem nada ou quase nada. Ter ou não ter não é a questão: a questão é: qual o valor que eu dou ao que eu tenho? É meio ou é fim? Não por nada Jesus ensina (Mt 6, 19-21.24):
19«Não acumuleis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem os corroem e os ladrões arrombam os muros, a fim de os roubar. 20Acumulai tesouros no Céu, onde a traça e a ferrugem não corroem e onde os ladrões não arrombam nem furtam. 21Pois, onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração. [...]
24Ninguém pode servir a dois senhores: ou não gostará de um deles e estimará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro.
Servir-se do dinheiro para servir a Deus, claro que pode. E deve! Se assim Deus quiser, óbvio! Santa Teresa de Ávila dizia: "Teresa sem Deus é menos que nada; Teresa com Deus pode muita coisa; Teresa com Deus e dinheiro é uma potência". Realismo fundado em valores, sem cair nos idealismos ingênuos, eis a lição da reformadora do Carmelo. O desapego progressivo e vigilante, acompanhado de um apego cada vez maior a Deus, isso é fundamental e essencial. As tentações do consumo, do ter pelo ter isso precisa ser superado quando uma sabedoria evangélica faz brotar no cristão uma disposição fortalecida para o bem. A profecia precisa ser dita: não só com palavras, mas com atitudes, gestos, opções pelo essencial, pelo eterno, pelo que faz feliz, de verdade.
Abraço e bênção para ti, Filoteu!
