Vamos para mais um mandamento da serenidade de João XXIII. Diz ele no seu sétimo mandamento:
Só por hoje, farei uma coisa de que não gosto e se for ofendido nos meus sentimentos procurarei que ninguém o saiba.
Esse mandamento constitui
um apelo forte, a que as pessoas sejam maduras. Maturidade o suficiente para não buscar fazer sempre os próprios gostos, apegar-se a si mesmos ao ponto de fazer sempre o que bem querem ou bem entendem. Até humanamente falando, ir em busca de satisfazer as próprias vontades é sempre um risco perigoso para o crescimento pessoal. O indivíduo acaba buscando ser o centro de tudo e de todos. Não consegue assimilar em sua vida verbos desafiantes, mas importantes para bem viver, tais como: renunciar, sacrificar-se, esforçar-se, trabalhar, dedicar-se, servir, humilhar-se, reconciliar-se, deixar-se corrigir e repreender, etc. Dizem que o século que estamos vivendo é o de Narciso, ou seja, impregnado de narcisismo. Pessoas fechadas em seu próprio mundo, egoístas e marcadas por uma idolatria do próprio eu e da própria imagem não conseguirão viver a solidariedade e descentralizar-se de si mesmas. Serão solitários por não serem solidários. A tendência é a de fazer os outros orbitarem em torno desse eu satelitizador (está doido por ter satélites em torno de si).
Para combater essa mentalidade, é preciso coragem, fortaleza, decisão, disciplina pessoal, firmeza de propósitos, capacidade de superação e perseverança na prática do bem. Em poucas palavras, é preciso liberdade interior. Daí não haverá lugar para o vitimismo e auto piedade. E tudo isso é fundamental para viver o seguimento de Jesus que diz:
“Quem quiser me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga” (Mc 8, 34).
Ora, para se treinar em viver essa liberdade interior, é importante sair de si, superar-se, desapegar-se da própria vontade, se si mesmo, em suma. E os grandes homens e mulheres foram se exercitando nessa coragem, nessa disponibilidade em que o caráter não se forma no que leva ao melhor e não ao que é mais fácil. O bem-aventurado padre São João da Cruz, o grande doutor místico ensina, na sua obra "Ditos de Amor e de Luz":
Se queres ser perfeito, vende a tua vontade e dá-a aos pobres de espírito e vem a Cristo pela mansidão e humildade e segue-o ao Calvário e ao sepulcro (n. 175)
Fazer algo que não está no próprio gosto é um treino importante para viver esse bem maior. Saber enfrentar com coragem certas amarguras, sobretudo aquelas que surgem das próprias fraquezas bem como das diferenças dos outros, tais coisas constituem um bom lugar de treino. Pedras que se chocam se lapidam. Não é coisa fácil, com certeza, mas é caminho que conduz à firmeza e à estabilidade. E nesse mundo cheio de caos, dificuldade e dor, é confortante que algumas coisas permanecem coerentes, verdadeiras e fortes. E tal coerência, verdade e força não serão cultivadas senão em pessoas que se lançam nessa busca de serem livres, de modo que nada lhes impeça de alçar o livre voo dos filhos de Deus. Pessoas de atitude são pessoas que se lançam na autosuperação e na conquista de si mesmas.
Difícil? Com certeza! Possível? Ninguém duvide! Vantajoso? Ao infinito de uma eternidade! É preciso coragem, renúncia e disposição. As três preciosas graças a serem pedidas, ferramentas indispensáveis para quem deseja no duro ser discípulo do Mestre ressuscitado que passou pela cruz. Afinal, se a vida ressuscitada é um tronco sólido e firme de uma frondosa árvore cujos galhos oferecem abrigo às aves do céu, saibas que a vida crucificada são as raízes de tal árvore.
Um abraço para ti, Filoteu e uma bênção para que vivas crucificado com Cristo, para com Ele ressuscitar!