Oi Filoteu!
Lá no primeiro dia da semana, bem de madrugada as mulheres foram ao túmulo. Levavam perfumes. Surpresa! A pedra do túmulo havia sido removida e, ao entrar, não encontraram o corpo do Senhor Jesus. Que havia acontecido? Tanta dúvida, grande euforia, mas um medo que trazia um misto de alegria e alarmava o coração. Uma mistura inexplicável de sentimentos, emoções desencontradas e desconexas. Alguém poderia dar alguma explicação?
"dois homens com roupas brilhantes pararam diante delas. Tomadas de medo elas olhavam para o chão, mas os dois homens disseram: 'Por que estais procurando entre os mortos aquele que está vivo?" ( Lc 24, 4-5)
Roupas brilhantes lembra pessoas transfiguradas, o fulgor da beleza do céu de algum modo esta presente naquela aparição luminosa. E o socorro do alto veio sob forma de comunicação. Uma orientação dá rumos e coordenadas diferentes na busca daquelas piedosas mulheres. De fato, elas olhavam para o chão, olhavam para o sepulcro, em busca de um morto. Mas, ele deve ser buscado como um alguém vivente. De fato,
Ele não está aqui. Ressuscitou! (Lc 24, 6).
Eis a verdade pascal na sua mais forte riqueza e poder. Ele atravessou a fronteira da morte, ou melhor, morrendo, ele matou a morte e o inferno encontrou sua ruína naquela vitória que lhe foi imposta na cruz. A ressurreição de Cristo é arremate de uma batalha cuja vitória aconteceu na obediência e no aniquilamento do Cordeiro desbaratando o poder do tirano filho da iniquidade. Não é mais tempo de olhar para o chão, mas de olhar o céu que está presente na realidade de cada homem e de cada mulher, a vida que brota e pulula na Igreja, esposa amada do Esposo Divino. Sim, a cruz traumatizou por demais os discípulos de Jesus. De fato, a memória deles precisava ser ativada ou iluminada pelo arremate final do mistério do Cristo morto e ressuscitado. Estavam todos estacionados na dolorosa paixão e na morte do Senhor. Faltava-lhes o passo seguinte, necessário, imprescindível: o da ressurreição. A cruz e a paixão do Senhor não são ponto de chegada, mas de passagem, passagem obrigatória, mas sempre passagem. O ponto de chegada é a vida, a luz, a vitória. Dado esse esquecimento, o mensageiro celeste faz memória das palavras do Salvador:
Lembrai-vos do que ele vos falou quando ainda estava na Galileia: "O Filho do Homem deve ser entregue nas mãos dos pecadores, ser crucificado e ressuscitar ao terceiro dia" (Lc 24, 6-7).
A morte sofrida da entrega de Jesus nas mãos dos pecadores, o ser crucificado não foi uma fatalidade histórica ou fruto de uma mera mobilização para matar o Senhor. Estava nos planos do Pai cuja santidade exigia uma reparação com alto preço do pecado. Desta forma, algo de superior aconteceu e nada esteve nem nunca estará sem que Deus tenha o controle ou não esteja acompanhando com seu poder, graça e providência.
Um novo tempo se inaugura! As palavras dos misteriosos seres vestidos de luz ativam a memória das mulheres, memória de fé, memórias de amor. Não era um sonho transformado em aterrorizante pesadelo! Era uma verdade que se impunha por si, impossível de ser negada. A vida de discípulo ou discípula dá as credenciais da fé e da leitura sobrenatural dos acontecimentos. Ante essa verdade transfiguradora e de tanta alegria, lá vão elas correndo (uma correria sem fim, um corre-corre que não para) transformadas em apóstolas:
"Voltam do túmulo e anunciaram tudo isso aos Onze e a todos os outros" (Lc 24, 9).
Anúncio alegre, anúncio cheio de empolgação, de entusiasmo. Um transbordar irresistível de algo maior que elas, algo que o mundo todo não pode conter e que salva o mundo do caos e das trevas. Uma nova ordem, um novo cosmos se impõe e se propõe para quem deseja a felicidade e a vida plena. Anunciar, confessar, professar, testemunhar! Eis a missão da Igreja, ela existe para isso e, todas as suas iniciativas e trabalhos só encontram sentido e valor se forem com esta finalidade. É bem verdade que pode até existir e existem muitos, muitíssimos que, como os onze, acham tudo isso "um desvario e não acreditaram" (Lc 24, 11). Os céticos, incrédulos, ateus, atoas, os materialistas, utilitaristas, além dos que vivem cheios de si, de suas certezas e continuam fechados para um projeto de vida ressuscitada que exigirá abertura de coração. Que mistério grande, que bem supremo é esse o da vitória de Cristo sobre a morte! Quem o acolherá? Quem o viverá? Não é na força dos argumentos tão somente, não é na força da imposição muito menos. Tem que ser na força do Espírito de Deus, tem que ser no amor, tem que ser na graça, tem que ser na alegria de viver o que se crê, testemunhar com a vida, com as escolhas de cada dia, rezar, embeber-se, deixar-se amar, deixar-se transformar, deixar-se conduzir e transbordar, partilhar sem medo, com parresia, com coragem e franqueza.
Penso nas mulheres que ante o ceticismo dos onze devem ter recebido um banho de água fria! Que decepção! Que desilusão! Em todo caso, cada vez mais entendo que certas coisas exigem
grande atenção e sensibilidade para que o lixo, o mau gosto e a desumanização
não façam seus estragos em nossas vidas. Para quem tem a graça de crer, a
felicidade de não ter medo de fazer a diferença, de construir cercas de
proteção para que aquilo que de tão bonito e de tão bom Deus construiu em nós
não se perca e os piratas da morte e do nada não nos roubem estes dons, creio que devemos insistir nessa
estratégia de ser feliz. Não perder a coragem de garimpar "observai tudo e
ficai com o que é bom" (1Ts 5, 21), como diz o apóstolo, permanece nossa missão, nossa
corajosa necessidade de propor valores grandes de felicidade que não passa. Coisas
de louco? Utopias vazias? Loucuras da cruz que os loucos felizes vivem na
piração eternizante da ressurreição. Iremos com nossos perfumes, não mais para ungir um cadáver, mas ao encontro do Senhor ressuscitado, iremos com nossos perfumes de cristãos para dizer com a nossa vida feliz que Ele vive, que Ele reina e na sua vida unida à nossa encontramos uma alegria que não passa pois está cheia de eternidade.
Feliz páscoa! Feliz vida nova, feliz vida feliz!
Abração e bênção do padre.
