aconteceu com o coração dos discípulos após a morte de Jesus.
No primeiro episódio (vv. 19-22), o Ressuscitado aparece aos onze, que, apesar do anúncio de Maria Madalena (v. 18), estão ainda fechados no cenáculo por medo dos judeus. E aí, Filoteu, quais os teus medos? É preciso dar nome aos medos que sentes, é preciso lançá-los diante do Ressuscitado que, durante a sua paixão viveu a experiência do medo, mas em sua fidelidade radical e incondicional ao Pai, venceu o medo, bebeu até a última gota o cálice de sofrimento que lhe fora dado e, ressuscitado dentre os mortos, vive glorioso.
Se os discípulos estão fechados por medo dos judeus, Jesus vence todas as barreiras que lhe aparecem ou que são postas. As barreiras das fraquezas humanas, de todo tipo e de toda intensidade. O Vencedor da morte passa pelas portas, manifestando sua condição totalmente nova, permanecendo homem, sem nunca ter deixado de ser Deus. João se refere constantemente ao lado aberto, traspassado do Mestre tão amado para indicar que em Cristo se cumpriram as profecias (Ez 47,1; Zc 12,10.14). A tradicional saudação de paz assume sobre seus lábios um sentido novo: um augúrio, ou seja, um voto, um desejo forte transmitido de paz. “A paz esteja convosco”. A paz de augúrio se transforma em presença: a paz está conosco. A paz, dom messiânico por excelência que inclui todo bem, é portanto, uma pessoa. É o Senhor ressuscitado que passou pela cruz, presente em meio aos seus. Ora, ao vê-lo, os discípulos se enchem de alegria e são confirmados na fé. O Espírito de Cristo Jesus, soprado sobre eles, princípio de uma nova criação (ver Gn 2,7), confere aos apóstolos uma missão que prolonga a sua, no tempo e no espaço, e faz-lhes participantes do poder divino de perdoar pecados.
Em um segundo quadro (vv. 24-29), personaliza Tomé com suas dúvidas e seu
ceticismo. Com efeito, Tomé viu as dores do Mestre e agora rejeita crer a uma realidade que não seja palpável, observável com os sentidos. Do sofrimento ele foi testemunha, mas da ressurreição ele quer provas, sinais visíveis. O Senhor vai ao encontro desta pretensão do discípulo (v. 27) uma vez que é necessário que o grupo dos apóstolos tire também proveito dessa riqueza de experiência que Tomé viverá e que os outros testemunharão. Afinal, o anúncio da ressurreição o requer! A cena é comovente e rica em significados. Enquanto Tomé toca as chagas de Cristo, Cristo toca as chagas de Tomé e as cura. “Por suas chagas, fomos curados” (Is 53, 5) disse o profeta Isaías. Tomé recebe o choque da ressurreição, recebe uma voltagem de vida, do tamanho do infinito, que o faz curvar a cabeça e o coração diante daquele mistério maravilhoso, lindo, surpreendente, envolvente, uma bomba cujos estilhaços se espalharão até os confins da terra e até o fim do mundo! Caramba! Nada menos que isso, caro Filoteu! E o que diz ele? “Meu Senhor e meu Deus” (v. 28). João coloca nos lábios do ex-descrente uma profissão de fé enorme: ele chama o Ressuscitado com os nomes bíblicos dirigidos só a Deus: Yahweh e Elohim. O possessivo “meu” indica a sua plena adesão de amor e de fé a Jesus. A desconfiança de Tomé arrancou de Jesus, mais uma bem-aventurança: diz respeito a todos aqueles que, mesmo sem terem visto, acreditaram no Senhor. Essa é pra nós, Filoteu! Essa é pra quem não convive mais com o Senhor ressuscitado, ou seja, a esmagadora maioria dos cristãos. A visão não é necessária, podes crer! O que importa é a fé! Recorda-te dos discípulos de Emaús? No melhor da festa, ou seja, quando eles reconheceram o Ressuscitado ao partir o pão, ele “pluft”, desaparece! Por que? Ora, eles deverão encontrar Jesus na comunidade, lá no meio dos discípulos e não em meio a visões. Ora, isso não quer dizer que as visões sejam más! Antes! Se vierem de Deus são graças místicas particulares, maravilhosas, fonte de tanta santificação e intimidade com a Trindade Santíssima! Mas, isso também comporta grandes responsabilidades! É bom lembrar. Um dia volto a esse assunto. Se aprouver a Deus conceder tal graça a alguém, com certeza, será de grande proveito. Mas, não nos cabe a ninguém querê-las! É no mínimo uma presunção insuportável! Ninguém se sinta merecedor, nem à altura de tais dons. Acolha-os se Deus dignar-se concedê-las, mas sirva ao Senhor com humildade e desprendimento total. Além disso, diz o autor da carta ao Hebreus: “Sem fé, é impossível agradar a Deus” (Hb 11, 6). A inatacável autoridade de São João da Cruz, na sua grande obra “Subida ao Monte Carmelo” nos ilumina bastante:
“Ao dar-nos, como nos deu, o seu Filho, que é a sua Palavra – e não tem outra – Deus disse-nos tudo ao mesmo tempo e de uma só vez nesta Palavra única e já nada tem para dizer [...]. Porque, o que antes disse parcialmente pelos profetas, revelou-o totalmente, dando-nos o Todo que é o seu Filho. E para isso, quem agora quisesse consultar a Deus ou pedir-lhe alguma visão ou revelação, não só cometeria um disparate, mas faria agravo a Deus por não pôr os olhos totalmente em Cristo e buscar fora d’Ele outra realidade ou novidade”.É preciso insistir: a visão leva Tomé à fé, mas da boca do
Senhor saiu essa declaração: “Bem-aventurados os que não viram e, contudo creram”. Felizes os que acreditarem nas palavras das testemunhas e, sem a pretensão de ver. Eles experimentarão a graça de uma fé nua, pura, que faz o coração exultar de alegria indescritível e gloriosa (ver 1Pd 1,8).
Desejo-te, caro Filoteu uma vida de fé! Uma fé robusta que se lança na escuridão dessa vida, somente com essa lamparina ou com os óculos 3D da fé. E com essa fé, vai, vai e segue em frente, sem olhar para trás. Não queiras ver o que deves enxergar somente no céu. Que o Senhor te sustente nessa caminhada.
Um abraço e bênção.