Entramos no IV domingo da quaresma e a páscoa se aproxima. Alegria e
responsabilidade pela caminhada feita é algo que nos faz refletir. E para tanto a liturgia nos apresenta um texto precioso (ver Jo 9, 1-4). Trata-se do episódio da cura do homem cego de nascença. O episódio acontece na festa das tendas. O cego de nascença é uma lembrança que nascemos sem a luz, ou seja no pecado de Adão. O pecado original é bem figurado nesse cego de nascença. Não há luz em sua vida. Assim também na nossa.
Ora, no início do evangelho, aparece aquela velha polêmica (do tempo que o king kong era um pequeno soim): Por que o pobrezito nasceu assim (cego)? Culpa dele ou dos pais? Jesus ultrapassa essa fronteira limitada e estreita e ajuda as pessoas a lerem nos acontecimentos não tanto os limites dos homens e mulheres, mas as imensas possibilidades que Deus tem para salvar. A resposta de Jesus ajuda muito: "... isso serve para que as obras de Deus se manifestem nele". Já pensaste niso, Filoteu? Teus pecados, limites e fraquezas não são impedimento para Deus aja em ti, mas se houver desejo sincero de fazer algo de bom, de belo e verdadeiro acontecer, então, tu verás a glória de Deus. É isso aí!
"Enquanto eu estou no mundo, eu sou a luz do mundo", diz o Senhor. Ora, quando ele foi para o céu, a luz do mundo passou a ser quem? Ele mesmo, mas agindo e manifestando-se através de seus amigos e discípulos. Diz Paulo: "Outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor. Vivei como filhos da luz" (Ef 5, 8). Não é por nada que também o Mestre afirmou: "Vós sois a luz do mundo (...). Brilhe (...) a vossa luz diante dos homens para que vendo vossas boas obras glorifiquem o Pai que está nos céus" (Mt 5, 14.16) E o que fez Nosso Senhor para curar o cego? Um procedimento incrível! cuspiu no chão, fez lama com a saliva e colocou-a sobre os olhos do cego (ver vers. 8). Daí o simbolismo fortíssimo: Agostinho lembra que isso é uma alusão ao mistério da encarnação do Verbo. A saliva é sua vida, sua plenitude e a terra, imagem da humanidade frágil que ele assumiu. "A Palavra se fez carne e habitou entre nós" (Jo 1, 14). E esse mistério cura a nossa cegueira. Nos ajuda e enxergar as coisa com os olhos 3D da fé, nas ricas dimensões da sobrenaturalidade. Olha Filoteu, quando a gente vê as coisas, as pessoas, os acontecimentos, as instituições e tudo mais com os olhos de Deus e no poder dessa luz que é Jesus, nós nos libertamos da superficialidade e das maquiagens enganadoras das aparências para contemplarmos a verdade presente nas criaturas. Para tanto, é preciso essa cura que de olhos de coruja passamos a olhar com os olhos de águia. Não mais se acostumar com a escuridão, mas voar alto como as águias e contemplar o sol com olhos curados a acolhedores da luz que dele emana. Pense! Uma revolução! Uma metamorfose arrasantemente triturante e liquidificante! Diz Agostinho: "Os nossos olhos, irmãos, são agora iluminados pelo colírio da fé. Para restituir a vista ao cego de nascença, o Senhor começou por ungir-lhe os olhos com sua saliva misturada com terra. Cegos também nós nascemos em Adão, e precisamos ser iluminados pelo Senhor".
Esse evangelho é uma catequese e tanto! Com olhos curados, isto é, com uma mente aberta à luz que vem da revelação de Cristo, passamos a fazer uma nova leitura de tudo. Por ocasião da eleição de Davi, lemos que "o homem vê as aparências e o Senhor olha o coração" (1Sm 16, 7). E essa palavra é de uma atualidade que me deixa abjornado! boqueaberto, com a boca aberta e a baba caindo! Pra lá do exagero, (rsrsrs) não é isso que a gente mais vê? As pessoas sempre mais preocupadas em aparentar, em enviar mensagens ao ambiente o quanto podem, o quanto ganham, o quanto conseguem, etc. E o Senhor descarta tudo isso! O escolhido na casa de Jessé (o pai de Davi) foi exatamente o menor de todos, aquele que nem tinha sido convidado a oferecer o sacrifício com seu pai e seus irmãos, quando Samuel visitou sua casa!
Uma outra coisa: por que Jesus fez todo aquele ritual de cuspe, terra, lama, lavar os olhos na piscina? Não poderia fazer tudo sem tanto ritual? Claro que poderia, mas quis fazer assim. Deus quer se comunicar por meio da liturgia de sua Igreja, dos sinais sacramentais e tudo mais. Saibamos valorizar isso, Filoteu! Deus quer se revelar e nos iluminar através de tantos sinais. Sim, e a piscina? Recorda o batismo! Yes! O batizado é um iluminado, é um alguém transformado, renovado, purificado para testemunhar, para iluminar e cumprir sua missão. Digo uma coisa importante: Não fique enganchado na dificuldade, mas fique de olho nas possibilidades que Deus põe à tua disposição. Cegos curados, gente na escuridão que agora, na força da cura de Deus enxerga, através de sua luz, a verdade! Não fique, portanto nas aparências, mas assuma essa luz que brilha em tua vida: "Vivei como filhos da luz. E o fruto da luz chama-se: bondade, justiça e verdade. Discerni o que agrada ao Senhor. Não vos associeis às obras infrutíferas das trevas que não levam a nada" (Ef 5, 8b-11).
Um abraço para ti, caro Filoteu e que sejas um fósforo ou um fosfilo que em grego quer dizer portador da luz e amigo da luz. Olhos de águia e não de coruja!
Abençoo-te em nome da luz verdadeira que brilha nas trevas que ilumina todo homem (cf. Jo 1, 5.9).
