Oi Filoteu! Ainda no rastro do Natal, pensei postar por aqui uma reflexão sobre as exigências do mistério da encarnação do Verbo em nossas vidas. Isso mesmo. Precisamos assumir alguns princípios que a própria Palavra de Deus e o testemunho vivo da Palavra feita carne nos dá e de nos solicita.
O apóstolo Paulo, escrevendo aos filipenses diz que o Cristo que tinha condição divina "...esvaziou-se a si mesmo e assumiu a condição de servo tomando a semelhança humana. E achado em figura de homem, humilhou-se e foi obediente até a morte, e morte de cruz" (Flp 2, 6-8). Mesmo conservando a natureza divina, pois o Verbo é consubstancial ao Pai, Jesus é homem e enquanto tal não reivindicou para si uma igualdade de tratamento de tão alta dignidade. A atitude de Jesus se apresenta então oposta à de Adão que quis ser como Deus: "sereis como deuses, versados no bem e no mal", assim disse a serpente infernal ao primeiro pai (ver Gn 3, 5). Que significa ser como deuses, ou igualar-se a Deus? Bem mais que criar as coisas, fazer milagres e dispor dos acontecimentos e demais infinitos poderes, significa definir o que é certo e o que é errado, definir o bem e o mal. Já pensaste sobre isso? Quantas vezes em nossas vidas, o bem e o mal, o certo e o errado foram postos ou definidos e acima de tudo escolhidos a partir de critérios diferentes do que Deus pensa e do que Deus quer! Vale uma reflexão!
Já comentamos o sentido do que São João nos dá ao afirmar que o "Verbo de Deus se fez carne" (Jo 1, 14) e lá falamos da fraqueza assumida, do assumir as contingências humanas, aos limites e dores, necessidades e carências. Algo impensável para um Deus? Com certeza, mas esse Deus que assumiu a natureza humana, sendo infinito e todo poderoso, sendo infinita e eternamente belo, bom e verdadeiro, fonte de toda sabedoria, bem Ele mesmo, TEM MANIA DE POBREZA E DE PEQUENEZ! Entendeste filoteu o quanto o orgulho humano cai por terra? Compreendes, portanto, que a vaidade humana é uma mentira escrachada e esculachada? Êta mentira descarada!
Sabe filoteu, esse abaixar-se do Verbo encontra na encarnação o seu ponto inicial, mas sua manifestação, digamos visível, aconteceu exatamente na gruta de Belém em que Ele se manifestou na carne de uma criança. Pobre e pequeno. Ora, lembro-te do que ensina o grande João da Cruz, o doutor místico:
"Ter constante desejo de imitar a Jesus Cristo em todas as coisas, conformando-se com a sua vida, a qual deve considerar para saber imitá-la e comportar-se em todas as coisas como ele se comportaria. Para poder fazer isto, é necessário renunciar a qualquer apetite ou gosto que não seja puramente para honra e glória de Deus, e ficar sem nada por amor dele que nesta vida não teve nem quis ter mais do que fazer a vontade e seu Pai, à qual chamava sua comida e seu manjar" (São João da Cruz, Ditos de Amor e de Luz, n. 158).
Por isso, ser pobre de espírito, como Jesus nos ensina é viver bem essa imitação. Uma imitação que lança as bases da liberdade interior, aliada indispensável dos que desejam trilhar estes caminhos de cristificação. Trata-se de uma disposição de desprendimento profundo, radical e essencial a tudo que não seja Deus. Por isso, o pobre de espírito é disponível para o Reino e não está apegado a nada, a ninguém, a nenhum projeto, até mesmo à própria santidade que pensa ser santidade. Olhar, contemplar, acolher para imitar o Senhor exige que sua vida e suas escolhas, suas palavras e sua mentalidade estejam profundamente fincadas na existência de cada um dos seus discípulos e amigos, servidores e vocacionados. Imitadores, seguidores é o que tais pessoas são chamadas a ser. Ensina-nos o Senhor Jesus:
"Se alguém quer servir-me, siga-me; e onde eu estou, aí também estará o meu servo. Se alguém me serve, meu Pai o honrará" (Jo 12, 26).
Para terminar, eu te digo, Filoteu algo profundamente necessário: os amores dos místicos foram o presépio, o calvário e o sacrário. Serão estes os teus amores?
Um abraço e bênção do padre.