Oi Filoteu
Tanto o evangelho do domingo passado quanto este nos põem diante da nossa verdade. Aquilo que não nos pertence e está apenas sob a nossa administração, sob os nossos cuidados exige que saibamos tratá-los como tal. Não nos pertence! Vangloriar-se com as coisas dos outros é r-i-d-í-c-u-l-o! Gabar-se dos dons de Deus e fazer ostentação, exibir-se com eles é uma mentira descarada e escancarada. E quando isso leva as pessoas a comparar-se com os outros e impor-se, isso é insensatez, burrice.
Ora, dom é presente, é dádiva no aqui e no agora, é ferramenta não para guardar para si, mas para partilhar com os outros. Assim sendo, humilde é quem, na consciência das próprias qualidades, se coloca a serviço de todos, buscando o verdadeiro bem das pessoas. Vive em estado de atenção, vive em alerta, vigilância para que o bem possa ser feito e nada de mal aconteça. Claro, na medida do possível! Na medida em que tais iniciativas fizer parte da sua missão! Eis que o bem deve ser feito, sem ver a quem, mas com discernimento e bom-senso. Não o que se quer fazer de bom, de útil e até de santo, mas que não é da vontade de Deus. Quem é humilde cria laços, constrói pontes, demole muros e tece uma teia de comunhão e participação que só pode gerar felicidade onde quer que esteja e o que quer que faça. Não é por nada que o autor do Eclesiástico ensina:
" ...aos humildes que ele (Deus) revela seus mistérios. Pois grande é o poder do Senhor, mas ele é glorificado pelos humildes" (Eclo 3, 20-21).
Jesus não tolerava distintivos que consagram e sacralizam as elites religiosas, proibiu títulos de honra (mestre, pai, guia, cf. Mt 23, 8-10) e alertava para que ninguém seguisse o caminho dos escribas que "se comprazem em andar de roupas compridas e gostam das saudações nas praças públicas, das primeiras cadeiras nas sinagogas e dos primeiros lugares nos banquetes" (Lc 20, 46). É aqui que todos precisam ter claro que a Igreja é chamada a ser serva da humanidade, essa mesma Igreja formada por membros humanos, mas, e por isso mesmo, no seguimento de Jesus, também ele humano, sem deixar de ser divino. Não tem sentido o carreirismo a busca de títulos, a primazia, a carreira, a primazia, os aplausos, os reconhecimentos e por aí vamos. Jesus, cabeça da Igreja disse: "Eu estou no meio de vós como aquele que serve".
Sabe Filoteu, o cristianismo não é um caminho de triunfos fáceis, de soluções mágicas, de uma prosperidade suspeita e irresponsável para com os outros, de vida cômoda, de um compromisso mesquinho ou inexistente indiferença com o verdadeiro bem de todos. Não é caminho de facilidades, mas de felicidade. O evangelho deste domingo nos propõe renúncia, espírito de sacrifício e desapego. Eis as condições para seguir Jesus. Palavras que parecem ter sumido dos dicionários vitais e existenciais. Não é cristã a chamada "teologia da prosperidade".
Para arrematar, Jesus afirma:
Quem não carrega sua cruz e não caminha atrás de mim não pode ser meu discípulo.(...); qualquer um de vós, se não renunciar tudo o que tem, não pode ser meu discípulo (Lc 14, 27.33b).
Desapego não é desprezo, nem amor que dizer dependência. O desapego é desprendimento, não colocar coisa alguma, pessoa que seja, acima dos interesses do Reino e Cristo Jesus, encarnação deste Reino.
Palavra dura, exigente, sem dúvida. Exatamente por isso, palavra libertadora de toda adoração de si, de todo comodismo e indiferença egoísta. O amor verdadeiro sai de si e se dá. Amar é ofertar-se na generosidade das coisas concretas do dia a dia.
Fica essa proposta de Cristo para seus discípulos.
Um abraço para ti, Filoteu.