Voltando às nossas postagens, hoje escrevo-te sobre o mistério da ascensão do Senhor Jesus. Em que consiste? Terminados os 40 dias que o Ressuscitado esteve com seus discípulos, instruindo-os, alimentando a fé, sendo presença para que eles aprofundassem a experiência concreta com o Mestre e Senhor, Jesus sobe aos céus. Sobe aos céus no seu verdadeiro corpo ressuscitado, verdadeiro Homem, verdadeiro Deus. Nossa pobre humanidade é, no mistério do Verbo encarnado elevada ao mais alto Céu, ao cume da glória. Ante os anjos maravilhados, o vencedor da morte, senta-se para sempre em seu trono de glória, à direita do Pai. Ele nos precede, ou seja, vai à nossa frente para que um dia, quando a nossa morte física que será a nossa páscoa, nos abrir este horizonte maravilhoso, esta visão de beleza, esta vivência de uma felicidade que se irá de mais para o maior, em um crescente sem fim, até ao infinito. Não por nada, Paulo nos lembra com sábias palavras:
Que ele abra o vosso coração à sua luz, para que saibais qual a esperança que o seu chamamento vos dá, qual a riqueza da glória que está na vossa herança com os santos, e que imenso poder ele exerceu em favor de nós que cremos, de acordo com a sua ação e força onipotente (Ef 1, 18s).
Na esperança, diz o apóstolo. Mas, longe de estarmos passivos nesta espera, não podemos estar de pescoço torto, olhando para o céu, alienados da terra. Acho que os apóstolos que continuavam olhando para o céu entenderam isso, enquanto Jesus subia. Conta-nos o relato dos Atos dos Apóstolos o seguinte:
Apareceram então dois homens vestidos de branco, que lhes disseram: "Homens da Galileia, por que ficais aqui, parados, olhando para o céu? Esse Jesus, que vos foi levado para o céu, virá do mesmo modo como o vistes partir para o céu" (At 1, 10s)
Para o bom entendedor meia palavra basta, diz o ditado popular. E quando se trata de um recado celeste desse (que não é construído por meias palavras, aí nem se fala!). O título desta postagem é "Corações ao alto e os pés no chão". Isso, exatamente isso! Não dá mais pra ficar olhando para o céu, pois encontraremos aqui, agora, na terra, no tempo e no espaço, esse Jesus que foi, mas ficou. É a alegria do paraíso e a alegria dos peregrinos desta terra. E o que devemos fazer? Ora, o evangelho cujo trecho a liturgia nos propõe para hoje nos diz que "no seu nome serão anunciados a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém" (Lc 24, 47). Temos muito, muito e muito mesmo o que fazer, mas um fazer que brota do ser. Deixar Deus agir, com toda certeza, pois como nos lembra ainda o apóstolo das gentes, "é Deus quem opera em nós o querer e o agir conforme o beneplácito da sua vontade" (Flp 2, 13). Essa ação da graça que nos envolve, nos ilumina, fortalece, liberta e purifica não condiciona, nem escraviza, nem faz de nós bonecos de marionete. Não somos pessoas teleguiadas por Deus. Essa graça oferece os meios, nos capacita e abre caminhos para que, com os pés no chão, isto é, com sadio realismo e saudável idealismo, com criatividade e senso de iniciativa, nos lancemos nesta obra de salvação da humanidade, de evangelização, de fazer o bem, de construir o Reino de Deus. Sal da terra, luz do mundo, fermento na realidade. operários do vinha de Deus, servidores, eis o que somos. Eis os pés no chão! Mas, nunca esqueçamos e tenhamos presente sempre, sempre mesmo que estamos aqui de passagem, somos peregrinos e com Cristo Jesus, elevemos nossas vidas, nosso desejo e decisão pelo céu, por estar com o Senhor para sempre. Santo Agostinho, no seu sermão sobre a ascensão do Senhor, exorta:
Hoje nosso Senhor Jesus Cristo subiu ao céu; suba também com ele o nosso coração. [...]. Assim como ele subiu sem se afastar de nós, também nós subimos com ele, embora não se tenha ainda realizado em nosso corpo o que está prometido. Cristo já foi elevado ao mais alto dos céus; contudo, continua sofrendo na terra através das tribulações que nós experimentamos como seus membros.
Ora, não podemos peregrinar de qualquer forma enquanto aqui estamos. Nossa peregrinação é dinâmica, é tecida por um trabalho constante sobre nós mesmos, pois em seu nome, somos chamados a nos converter, isto é, a nos transformar e agir corajosamente para transformar o mundo! E nos perdão dos pecados animar e motivar, alicerçar e fortalecer esta transformação. Converter-se significa viver! A lei da vida é transformação, é mudança, renovação.
Nessa transformação e conversão seremos testemunhas. O que significa ser testemunha? Significa transmitir o que se acredita, o que se crê se irradia com a vida, transborda de maneira não forçada, de forma não artificial. O testemunho é a vida que fala! Não mais meras palavras ou discursos elaborados (mesmo que eles são muito importantes, mas só serão credíveis com a vida do pregador). Com grande lucidez, o papa Paulo VI afirmou o seguinte:
Hoje as pessoas escutam mais as testemunhas que os mestres e se escutam os mestres é porque eles são testemunhas
Ninguém se iluda que esse testemunho será dado apenas na força da boa vontade ou do esforço pessoal, do talento pessoal. Não! Sem o auxílio do alto, isso não será possível. Basta lembrar de Pedro que na última ceia queria dar testemunho do Senhor e dar a vida por ele na base da coragem pessoal. Na hora do "vamos ver" o pescador da Galiléia se assustou e negou Jesus três vezes antes que o galo cantasse. Depois de pentecostes, com a força do Espírito Santo, era outro homem! diz Jesus:
Vós sereis testemunhas de tudo isso. Eu enviarei sobre vós aquele que meu Pai prometeu (Lc 24, 48-49)
E antes de subir para o céu, jesus levou seus discípulos para perto de Betânia (Betânia quer dizer "casa da amizade") ou seja, é na amizade com o Senhor que serás tu um Filoteu (um amigo de Deus), será um Teófilo (um amigo de Deus - ver At 1, 1) e só assim serás tu uma testemunha de Cristo Senhor. Ao ser elevado ao céu, esus foi adorado pelos discípulos (leia At 25, 51) e em seguida voltaram para Jerusalém, com grande alegria (Idem). A experiência com o Senhor ressuscitado nos faz testemunhas convictas, alegres, sem amarguras ou vitimismos, sem pensar que somos heróis ou grandes santos ou fazedores eficientes de coisas (pastorais, eventos, feitos sublimes por Cristo, ensinos, etc); simplesmente faremos o que nos for possível, o que o Senhor nos pede, simplesmente a serviço de Quem nos amou, nos chamou e enviou. Estaremos sempre na Igreja louvando e bendizendo a Deus, estaremos dando a vida, sabendo que traremos o céu para terra e faremos a terra subir para o céu.
Deixo-te, caro Filoteu com um trecho deste belo hino das laudes da solenidade de hoje:
Ó imensa alegria de todos,
quando o Filho, que a Virgem gerou,
logo após o flagelo e a cruz,
à direita do Pai se assentou
Demos graças a tal defensor
que nos salva, que vida nos deu,
e consigo no céu faz sentar-se
nosso corpo no trono de Deus
Com aqueles que habitam o céu
partilhamos tão grande alegria,
Cristo a eles se deu para sempre,
mas conosco estará cada dia
Cristo agora elevado às alturas,
nossa mente convosco elevai
e, do alto, enviai-nos depressa
vosso Espírito, o Espírito do Pai.
