O clero de Quixadá, éramos ao todo uns 23 padres, mais o nosso bispo, fizemos uma viagem à Terra Santa. Foram dias maravilhosos, intensos, cheios de possibilidades para renovar, no local onde o Verbo se fez carne, cresceu, ensinou sua doutrina, viveu, morreu e ressuscitou, sim, neste mesmo lugar, renovar nossa fé, lá onde tudo aconteceu. Algumas postagens poderão ser feitas a partir de algumas impressões que vivi por lá.
Deveríamos visitar o Rio Jordão. O local seria um daqueles que Israel deu uma arrumada, com o talento que é próprio daquele povo empreendedor e atento ao turismo, para turista tirar foto e tomar um banho no rio que como nos conta a Bíblia, Jesus foi batizado. Mas, providencialmente, o lugar estava fechado. Nossa guia, no entanto, nos levou a um outro lugar onde poderíamos ver o rio no local onde Nosso Senhor se encontrou com o Precursor e foi batizado. E para lá fomos. O lugar é deserto (o deserto da Judeia) e muito seco. Hoje, região militarizada, por ser próxima à fronteira com a Jordânia. Quando chegamos ao local, acho que vivi uma experiência única: fiquei decepcionado. O rio era estreito, barrento. Claro, acho que por estar perto de desembocar no Mar Morto, e por suas águas terem sido utilizadas para irrigação alguns quilômetros antes, ele chega ao lugar bem reduzido, minguado. Bem, o que sei é uma coisa só: fiquei decepcionado. Acho que compartilho a experiência do general Naamã, o sírio viveu quando teve que banhar-se no Jordão.
Uma curiosidade: O século IX a.C. caracterizou-se em Israel pela indiferença do povo em relação a Javé. Neste período, o relacionamento entre Israel e os sírios (arameus) era tenso, com invasões contínuas dos sírios a Israel. Numa dessas invasões, os sírios raptaram uma jovem israelita, que foi designada como escrava do general sírio Naamã. Este sofria de uma doença da pele classificada com lepra. Por sugestão de sua escrava israelita, Naamã foi ao encontro de Eliseu para ser curado. Este general havia chegado à conclusão de que nem o rei de Israel, nem os famosos rios de Damasco, nem rituais espetaculares, mas somente este profeta de Israel poderia curá-lo. Eliseu pediu-lhe que fosse lavar-se sete vezes no rio Jordão. Naamã obedeceu e ficou curado. Reconheceu então que não havia “outro Deus em toda a terra a não ser o de Israel” (v.5). Em reconhecimento, o general quis recompensar Eliseu, mas este não aceitou, mostrando a gratuidade de Deus que cura. Então Naamã arrumou uma quantidade da terra de Israel que dois jumentos podiam carregar para fazer em seu país uma espécie de ilha e oferecer nela sacrifícios a Javé, reconhecendo, assim, que Javé habitava em Israel e não em sua terra contaminada por ídolos;
Mas, é preciso que se entenda o seguinte: o profeta, quando ouviu dizer que deveria se banhar no Jordão ficou indignado. Diz a Palavra de Deus (2 Reis 5:9-15):
Veio, pois, Naamã com os seus cavalos, e com o seu carro, e parou à porta da casa de Eliseu.
Então Eliseu lhe mandou um mensageiro, dizendo: Vai, e lava-te sete vezes no Jordão, e a tua carne será curada e ficarás purificado.
Porém, Naamã muito se indignou, e se foi, dizendo: Eis que eu dizia comigo: Certamente ele sairá, por-se-á em pé, invocará o nome do SENHOR seu Deus, e passará a sua mão sobre o lugar, e restaurará o leproso.
Não são porventura Abana e Farpar, rios de Damasco, melhores do que todas as águas de Israel? Não me poderia eu lavar neles, e ficar purificado? E voltou-se, e se foi com indignação.
Então chegaram-se a ele os seus servos, e lhe falaram, e disseram: Meu pai, se o profeta te dissesse alguma grande coisa, porventura não a farias? Quanto mais, dizendo-te ele: Lava-te, e ficarás purificado.
Então desceu, e mergulhou no Jordão sete vezes, conforme a palavra do homem de Deus; e a sua carne tornou-se como a carne de um menino, e ficou purificado
Daí é que está o ponto da questão. Quantas decepções podemos experimentar quando coisas simples nos são pedidas, coisas pequenas e escondidas, gestos aparentemente insignificantes e até sem sentido. Algumas humilhações ou um abaixar-se que exige um desinstalar-se de si mesmo. Pensei nisso quando vi o Jordão. Pensei na pobreza daquele rio. O general lembrava-se do Farfar e do Abana. Eu pensava no Amazonas, o maior rio do mundo! Mas, o Senhor escolheu o Jordão para ser batizado. Depois, pensando bem, acho que tive uma iluminação ao olhar para aquele rio que parecia um riacho: Deus escolhe esses pequenos, esses pobres, esses insignificantes. O rio Jordão pode ser eu, pode ser você. Se aceitarmos a nossa pobreza e pequenez e a oferecermos ao Senhor com humildade e generosidade, acho que algo grande o Senhor fará.
Pois taí Filoteu, um pequeno pensamento, uma lição que tirei de uma agradável decepção que tive com o Rio Jordão.
Um abraço para ti e minha bênção também.
