"A solidez e a firmeza da verdade de Cristo se enche de doçura da doação de um Deus que é só Amor!”
(Pe Marcos Chagas)

sexta-feira, 11 de março de 2011

Jejum: um polêmico caminho de liberdade!

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Oi Filoteu!

   Hoje comento sobre uma das práticas mais tradicionais que faziam parte do kit santificação, não só dos judeus, mas também, de uma forma aprimorada por Jesus, também para os cristãos. Talvez a prática do jejum necessite de alguns esclarecimentos e sem dúvida, carece de uma boa fundamentação, até pra não ser vista como uma prática difícil, enfadonha, pesada, sinônimo de sofrimento inútil ou um penar desnecessário, especialmente no mundo moderno, onde o prazer não só do sexo ou do sono tem lá seus adoradores, mas também, não são poucos os adoradores do comer. Mas, será que jejum diz respeito só a comida? Verás que não, não mesmo! Por isso deixo-te com esta reflexão que preparei. Espero que te seja útil.

A polêmica sobre o jejum, vivida entre os discípulos de João e Jesus é bem ilustrada pelo Evangelista Mateus (9, 14-15). Ora, é preciso idéias claras a respeito. Reflitamos.

Os discípulos de João jejuavam com freqüência. E cobravam de Jesus e de seus discípulos a observância das mesmas práticas. Os discípulos de Jesus estavam na casa de Levi entre comes e bebes e, os seguidores do precursor estavam vivendo a abstinência. Os fariseus, desde o tempo dos Macabeus, instituíram o jejum, duas vezes por semana, pela salvação de Israel. Por ocasião das segundas e sábados, os fariseus não tomavam banho, nem se ungiam, nem cuidavam da aparência externa. Não raro, isso se transformava em um exibicionismo terrível, onde a vontade de reconhecimento e elogios criavam palcos onde a orquestração da vanglória, criava um espetáculos deprimente (veja Mt 6, 16-18). Entretanto Jesus inaugura o tempo escatológico (das últimas realidades) prefigurado pelos profetas. Começou o tempo da alegria, da festa e não se jejua por ocasião da presença do Esposo. Os discípulos de João são ajudados por Jesus a reconhecer que o Reino de Deus é alegria pela pérola escondida que é encontrada. Alguém sente a renúncia por Deus como um peso, há quem tenha medo do rosto alegre de Deus, como se o Reino fosse unicamente sofrimento que joga pra baixo, entristece ou rouba algo de mim. O jejum cristão não é somente abstinência, um mero privar-se de alimento ou de algo. É desejar o encontro com Jesus que salva com sua Palavra poderosa. Para isso, eu me esvazio!

As abstinências de alimentos estão muito ligadas aos que desejam emagrecer, entrar na linha, perder uns quilinhos, etc. Práticas orientais buscam no jejum o eu profundo. O jejum não é um “estranho no ninho” da nossa civilização pluralista e secularizada. Os cristãos, ao invés, são chamados a olhar no jejum, uma ajuda na peregrinação rumo a Cristo. O Senhor não é totalmente presente em mim e na sociedade onde vivo. O Esposo está pronto, mas eu não estou pronto, pois o amor divino ainda não tomou posse de mim totalmente em função de tantos fechamentos e apegos, egoísmos e indiferenças da minha parte. O jejum tem como meta dar um lugar a Cristo, criar um vazio para preencher-me dele, de sua Palavra em minha existência. Abre-me aos outros e às suas necessidades (às mais diversas). A esmola não é dar do que sobra, mas partilhar do que se renuncia, para ser mais livre e amar mais.

A comunidade pós-pascal explicava o jejum no fato mesmo que o Esposo não estaria mais presente. E a sexta-feira da paixão foi o dia em que o Senhor-Esposo foi tirado do convívio dos discípulos seus. Assim, “naquele dia” justificava-se o jejum. Fazemos também memória desse fato e os tempos litúrgicos nos ajudam a atualizar estas alternâncias.

Então, qual a medida certa? Não quero ser presunçoso em dá-la, como também sugiro que ninguém seja medida para os outros. A verdade é Cristo e ninguém é dono de Cristo e, por conseguinte, ninguém é dono da verdade. A Igreja é guardiã e serva da verdade. O jejum não tem sentido quando é compreendido apenas como o pouco ou razoável que se come ou se deixa de comer. Tolice suprema é tentar impressionar Deus com míseras ações religiosas para levar vantagem com Ele. Deus não se deixa enganar, não engana e nele não há engano. O amor de Deus levado até as últimas conseqüências gerará a liberdade que leva ao jejum na recordação do Esposo ausente e à alegria da festa por estar o Esposo presente. Não cabe legalismo neste discernimento e nestas escolhas. O amor de Deus nos dá poder, poder saber e assumir que somos amados, elevados pela amizade de Deus. O Esposo será tirado. A vida cristã não é só festa, é preciso insistir. A cruz assumida e carregada, a renúncia de si, a porta estreita, as exigências das bem-aventuranças, o desapego e a disponibilidade para servir e dar a vida, amar na gratuidade tudo isso constutitui um projeto que desinstala, exige, poda, purifica, corta e amputa tanta coisa que não presta ou que atrapalha a liberdade interior. As provas e purificações proporcionadas por um Esposo que se desvela e torna a velar o próprio rosto faz da caminhada cristã um misto de prazer e angústia, tristeza e espera ansiosa, felicidade; gratificação pelo encontro e desolação pela ausência. Deus sabe o que pede e o que nega de cada alma. Deus sabe também como e porque dá com largueza ou sobriedade os seus dons. Também sabe porque os nega! São seus segredos e suas estratégias para fazer crescer seus amigos. Não cabem comparações! Cada um é cada um para Deus. O novo de Deus se consolida na perspectiva sofrida e redentora da busca e da espera.


 
O jejuar é caminho para formar um coração livre, aberto, forte, alegre. A disciplina do descanso, da alimentação, da distribuição do tempo e na preferência por escolhas mais desafiantes e santificadoras são meios para concretizar esse jejum. Não estacionar nos próprios interesses e motivações egoístas, eis a dica! Além do que, a disciplina intelectual, a ascese dos afetos, a paciência no convívio com os que são mais desafiantes e difíceis oferecem para nós ótimas oportunidades na autêntica vivência desse esvaziamento. A ascese, ou seja, o treinamento exige espírito de disposição. Na superação de si está a liberdade e a felicidade verdadeira, o autêntico crescimento da pessoa. Jejum é prática de gente generosa, pois o coração humilde se constrói também pelo vazio do estômago. Uma barriga prá lá de satisfeita pode não se abrir a meditar com fruto as coisas de Deus. O Senhor Jesus nos deu o exemplo no deserto. O jejum, as vigílias e a oração são meios para bater a porta que gostaríamos que se nos fosse abertas. Em suma, o jejum é, em sua excelente expressão, o vazio para que Deus tome de conta, tome posse e realize a obra de salvação. Que tudo se faça com discernimento e bom senso. É preciso conhecer-se, respeitar prudentemente os próprios limites e nunca se comparar com os outros. A generosidade, medida do amor e a verdade, fonte de liberdade pode fazer acontecer um bom uso dessa ferramenta que nos leva a buscar e cultivar o essencial.
    Um abraço e boa continuação de Quaresma!

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