A palavra que a liturgia propõe para hoje (neste 7º domingo do Tempo Comum) é arrasante e triturante de uma forma espatifantemente supimpa. Não tem espaço para meias medidas ou pra vacilos daqueles de freiar a corrida (de modo a gerar aquela trombada). Bem, ele (Jesus) diz não se deve resistir ao homem mau (cf. Mt 5, 39), mas deve-se oferecer a esquerda ao que bate na face direita. Essas palavras ditas em meio a tanta violência e tanta prepotência que existe no mundo, onde as pessoas não passam por baixo, vixe, esse evangelho é mesmo bombástico. Se vai bombar, isso é só pra quem tiver muita fé e não pouca caridade. Com efeito, "amai os inimigos e orai pelos que vos perseguem" (v. 44). Esse é o meio dos cristãos tornarem-se, de verdade, filhos do Pai que está nos céus (cf. v. 45). O mau devora-se a si mesmo! Não precisa ser devorado. Por mais que se veja um desabamento sem fim dos valores e bons costumes, com certeza, a civilização do amor gratuito e oblativo (ou seja, aquele que se doa e não pede nada em troca, não busca a própria vantagem e gratificação), bem tal amor não é utopia vaga e distante. Essa não é conversa pra boi dormir e pra vaca escutar. Quem viver esse projeto exigente e libertador, com certeza, deverá romper corajosamente com a própria altivez, com as soberbas e tantos orgulhos, bem como com os apegos aos pontos de honra pessoal. Desapego de si levado até às últimas consequências, não quer dizer viver uma postura de "morri e esqueceram de me enterrar". Não é ser o bestão, bobão, podem fazer de mim e comigo o que quiserem. Significa ser assertivo, isto é, afirmativo na prática do bem e da verdade. Significa ser livre de si, aberto ao outro, comprometido com o verdadeiro bem do próximo. Longe de ser uma experiência fácil, buscar o verdadeiro bem do próximo, não poucas vezes pode deixar o cristão em uma situação de ser alvo de incompreensões e perseguições de todo tipo. Optar pelo melhor pode significar deixar de lado o mais fácil, o mais cômodo, o mais gratificante e até o mais honroso aos olhos da maioria das pessoas.
Bem, Filoteu, esse é o jeito, esse é o caminho; todo diferente e diferenciado para construir a tal civilização do amor a que me referi acima. Começo todo dia e começo por dentro, a partir de mim mesmo e transbordarei para o ambiente, para os outros, para a Igreja, para o mundo. Transbordar o quê? Esse amor, feito de liberdade e gratuidade totais. O modelo? Bem, Jesus é ousado: nada mais, nada menos que o Pai celeste! PEEEENSE! Mais que Ele, claro que não existe. Nada menos é propor o infinito, a plenitude, a perfeição. Pois bem, o infinito é nossa meta! E a esse respeito, o Pai, pelo Filho, no Espírito Santo Arrasou! Triturou! Sacudiu! Balançou! Desinstalou! etc... E por que, o Pai celeste? Sim, pois Ele é modelo de amor gratuito pois na sua providência, ele "Faz nascer o seu sol igualmente sobre maus e bons e cair a chuva sobre justos e injustos" (v. 45). Tem um ditado que reza que se deve fazer o bem, sem ver a quem. Se o cristão não fizer a diferença, ele simplesmente se nivela por baixo e se descaracteriza; ao invés de nivelar por cima as metas, os objetivos, os pontos de chegada, ele se rebaixa.
Que significa então, ser perfeito como o Pai celeste? (ver Mt 5, 48). Ora, como o Pai celeste não seremos, mas nunca devemos deixar de crescer, de aprimorar esse caminho de santidade, de amadurecimento completo, total. O processo nunca cessa e a meta é o infinito. Por isso, somos, enquanto peregrinarmos neste mundo, obra inacabada. Será como um rio a caminho do mar: encontra montanhas, encontra árvores, abismos, corre seneno nos caminhos planos. Mas, onde o rio passa ele cumpre o seu papel de transmitir vida, de alegrar a paisagem. As montanhas não são obstáculos, mas fazem parte do roteiro e ele humildemente as contorna e encontra sempre o seu caminho. Se o rio tiver de se jogar abismo abaixo, que seja: lá o seu traçado será definido. O certo é que ele caminha para unir-se ao mar e ao mar lançará suas águas. Caramba! Dá é trabalho! Bem, esse é nosso caminho de felicidade, caro Filoteu.
São João da Cruz ensina que "no entardecer dessa vida serás julgado pelo amor". E o apóstolo afirmou: "A caridade jamais passará" (1Cor 13, 8). Entende bem: quem se cansou da vida e vive por viver, quem vazio ficou e cansado de si está, não tem razões sérias e profundas pra viver, então, o processo de auto-destruição será inevitável, será corrosivo e fatal. Pode ser até lento, mas destruidor. Não é ser dramático nem pessimista, nem mesmo trágico, mas objetivamente realista. Essa corrida atrás de drogas, de experiências e estimulações fortes, por-se riscos irracionais para se garantir e se afirmar, a necessidade de usar os outros e usar a si mesmo, a violência e a barbárie desumanizadora, tudo isso revela um quadro bem sinistro; enfim, quando as pessoas começam a virar bicho, ou seja, se animalizam, então é porque o vazio tomou de conta. A pessoa humana se não tem razões pra viver, não vai saber porque vive. Então, será caixão preto e quatro velas a sua sina!
Um abraço para ti, Filoteu e que Deus te abençoe e te mergulhe no seu infinito amor.
A busca para que sejamos perfeitos como Deus é diária, e será incessante até o fim dos nossos dias, mas não pode ser esquecida.