Hoje te escrevo sobre um texto muito importante: A vocação dos primeiros discípulos. Lá na beira do lago, o Mestre passava e ao ver dois irmãos, os chamou. Os convidou a serem pescadores de homens. Mas, antes de tudo, estes homens deveriam segui-lo. (veja em Mt 4, 18-22)
ISSO! Antes de tudo seguir Jesus, não somente com as pernas, mas com a cabeça e o coração. Não somente por fazer parte de um grupo de oração, por estar engajado em alguma atividade ou comunidade da Igreja. Não somente por ter um dia ter recebido a ordenação sacerdotal ou ter-se consagrado a Deus. Tudo isso, está em função de uma vivência, de uma experiência, de um seguimento, de uma imitação. Seguir, dizia São João Crisóstomo, significa imitar. Pense! Vocacionado não tanto a ocupar cargos ou simplesmente exercer ministérios, mas como servos de todos, viver o que Deus nos pede, assumir uma missão. Digo brincando e falando sério que missão é aumentativo de missa. "Este é o meu corpo dado por vós. Este é o meu sangue dado por vós". É uma doação total, integral, radical, sem meias medidas. Foi assim que o Mestre fez e assim farão seus discípulos.
Olha Filoteu, pode tirar o cavalinho da chuva e até o jegue ou os bodes também se pensas que isso é utopia, ou é impossível. Vê só: aqueles pobres, reles pescadores, acho que nem sabiam direito quem era aquele rabi que passa e com uma autoridade vinda não sei de onde, com um fascínio enigmático e surpreendente, arrasta atrás de si aqueles homens mais acostumados na arte da pesca de peixes que no convencimento ou conversão de pessoas humanas. Bem que Ele poderia escolher uns letrados, uns fulanos mais espirituais. Caramba! Logo esses caras? Gente pobre, rude, tosca. Trabalhar essa turma deve ter sido osso! Não tinha gente melhorzinha para assumir os altos encargos de apóstolos? "Porque os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento" (Rm 11, 29). E por que Jesus chamou esses e não outros? "Jesus subiu ao monte e chamou quem ele quis" (Mc 3, 13).
Olha Filoteu, não resisti à inspiração (acho que não foi tentação) de transcrever um trecho dos manuscritos autobiográficos de Santa Teresinha. Lê só quando comenta a vocação dela:
Antes de pegar a caneta, ajoelhei-me diante da imagem de Maria (aquela mesma que tantas provas nos deu das maternas predileções da Rainha do céu por nossa família), e lhe pedi que guiasse minha mão para que eu não escrevesse uma linha sequer que não a agradasse. Em seguida, abrindo o Evangelho, meus olhos pousaram sobre estas palavras: «Jesus, tendo subido a uma montanha, chamou a si quem Ele quis; e vieram a Ele" (são Marcos, cap. III, v. 13). Eis o mistério de minha vocação, de minha vida inteira, e, sobretudo, o mistério dos privilégios dispensados por Jesus à minha alma... Não chama os que são dignos, mas quem Ele quer, ou, como diz São Paulo: "Farei misericórdia a quem eu fizer misericórdia; terei compaixão de quem eu tiver compaixão. Desta forma, a escolha não depende daquele que quer, nem daquele que corre, mas da misericórdia de Deus" (Carta aos Romanos, cap. IX, v. 15 e 16).
A Teresinha arrasa! Ela captou a força da gratuidade da eleição que repousa sobre ela e sobre todos os escolhidos!
Eles, os discípulos, foram chamados, em primeiro lugar, para estarem com Jesus. Aqui está o coração de toda vocação cristã. Estar com o Mestre, viver com Ele, ouvi-lo, conviver com Ele, viver por Ele, n'Ele. Daí a importância de uma vida interior bem cultivada, bem alicerçada, daí a necessidade de VIVER DE DENTRO PRA FORA e não o contrário. Quando se passa a ocupar-se tanto nas obras do Senhor ao ponto de esquecer-se do Senhor das obras, corre-se o risco de viver como funcionários da Igreja que cumprem obrigações, arrastam-se atrás dos deveres e não missionários, evangelizadores convictos e entusiasmados.
Eu farei de vós pescadores de homens! Não podemos ser evangelizadores por nós mesmos. Não basta talento ou boa vontade, competência e eficiência. É preciso deixar-se formar por Jesus, aprender d'Ele. Quem nos faz pescadores de homens, é Ele. Claro, é preciso pescar, lançar as redes, acreditar, fazer nossa parte, mas sempre em parceria com Ele, no poder de sua Palavra, na força de sua graça e na unção do Seu Espírito. Vocação é isso: é chamado. A iniciativa é sempre d'Ele e ninguém pode mudar isso. Lembro sempre do que diz Nosso Senhor: "Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi e vos designei para que vades e produzais fruto e para que o vosso fruto permaneça, a fim de que tudo o que pedirdes ao meu Pai em meu nome ele vos dê" (Jo 15, 16).
A mediocridade é uma caixa de veneno na caminhada vocacional. O apelo divino se repete diariamente e diaremente a tua resposta não pode faltar. A resposta se traduz nas atitudes, nas escolhas, nas opções. Vocação não combina com fugas, desistências, desânimos. As provações, os desafios, as tribulações e tentações são oportunidades de crescimento e nunca um palco para fazer uma tragédia grega, cheia de um vitimismo patético e ridículo. Toda crise é um risco, mas é também uma chance, uma oportunidade, uma possibilidade que se abre. Para crescer, amadurecer, santificar-se. Uma coisa é certa: Não queiras as coisas pela metade. Sê todo em tudo o que fizeres, em tudo que quiseres, em tudo que pensares, em tudo que falares, em todo o teu ser. Sê todo ante o Tudo de Deus, ante o Todo que é Deus e diante de todos os homens e de todas as mulheres não te dividas. Sê todo em cada situação, em cada acontecimento. Não se fragmentam os que são inteiros. Esta unidade fará de ti uma muralha, uma fortaleza. Mas, esta unidade nunca acontecerá se tu não te unires 'Aquele que é TUDO, que foi todo do Pai e todo nosso, Nosso Senhor Jesus Cristo.
Hoje a Teresinha tá com a corda toda!. Afinal, em termos de vocação ela é uma perita. De um episódio bastante curioso da infância, ela tirou um propósito de grande importância e que a fez voar com vigor na direção de Deus. Dou a ela a palavra:
Um dia, julgando-se muito crescida para brincar com boneca, Leônia veio procurar-nos a nós duas com uma cesta cheia de vestidos e de lindos retalhos para fazer outros; por cima estava colocada sua boneca. - "Tomai lá, minhas irmãzinhas, diz-nos ela, escolhei, dou-vos tudo isto". Celina estendeu a mão e tomou um pacotinho de alamares que lhe agradava. Após um instante de reflexão, estendi a mão por minha vez e declarei: - "Escolho tudo!" e apoderei-me da cesta sem outra formalidade. As testemunhas da cena acharam o caso muito justo, a própria Celina nem pensou em reclamar. (Aliás; brinquedos não lhe faltavam, seu padrinho cumulava-a de presentes e Luísa descobria meios de arrumar-lhe tudo quanto desejasse).
Este pequeno episódio de minha infância é o apanhado de toda a minha vida. Mais tarde, quando se me tornou evidente o que era perfeição, compreendi que para se tornar santa era preciso sofrer muito, ir sempre atrás do mais perfeito e esquecer-se a si mesmo. Compreendi que na perfeição havia muitos graus e que cada alma era livre no responder às solicitações de Nosso Senhor, no fazer muito ou pouco por Ele, numa palavra, no escolher entre os sacrifícios que exige. Então, como nos dias de minha primeira infância, exclamei: "Meu Deus, escolho tudo". Não quero ser santa pela metade. Não me faz medo sofrer por vós, a única cousa que me dá receio é a de ficar com minha vontade. Tomai-a vós, pois "escolho tudo" o que vós quiserdes!. . . "
Uma palavra que em termos vocacionais faz toda a diferença: a PERSEVERANÇA, A GRAÇA DAS GRAÇAS! Isso mesmo. É preciso insistir, persistir e nunca desistir. E a perseverança é uma conquista diária. Todo dia, a cada instante. A fidelidade é construida tijolo a tijolo, pedra sobre pedra. Não de uma vez, mas sempre um pouco. O ideal é grande, a eternidade compensa: e como! Por isso, lembro de um personagem do filme "Procurando Nemo". Lá a Doris, aquela "peixinha" que tinha um problema de perda de memória recente, deu um recado importante: Continue a nadar, continue a nadar, continue a nadar, continue a nadar,....Vários anos atrás, quando estreava minha vida de seminarista (é o noooovooo!!!), fui a uma cerimônia de consagração de algumas religiosas. Lá entoavam um canto de entrada que nunca me esqueci. Se não me engano é da autoria do Pe. Zezinho. Uma reflexão vocacional primorosa e que deixo para ti:A voz o meu Senhor/ feriu meu coração/ e me fez inquieto/ por meu povo e minha fé/ vesti sorriso e dor/ e me tornei cristão/ dividi meu teto/ com Jesus de NazaréNesta santa mesa/ vim partir o pão/ corpo de Jesus/ meu Deus e meu irmão/ na Eucaristia vivo a minha vocação/Se Cristo te chamou/ melhor é não fugir/ a felicidade é salário do servir / e quem disser um não/ à voz interior/ vai sentir saudades dos carinhos do Senhor.
Desejo-te uma feliz descoberta de tua vocação e se já escolhestes, desejo dias felizes (felicidade não quer dizer facilidade, viu?) com Jesus em tão grande projeto de vida. "E por esta estrada vai, vai e não voltes atrás mais e não voltes atrás jamais".
Um abraço e bênção.
Pe. Marcos.